O assédio moral se caracteriza por uma conduta reiterada, de violência psicológica, desestabilizando o equilíbrio psíquico e emocional do empregado (como atitudes de perseguição, indiferença ou discriminação, normalmente de forma velada), deteriorando o meio ambiente de trabalho, podendo resultar em enfermidades graves como a depressão.[1]
Marie-France Hirigoyen citada por Eneide Melo Correia de Araújo2 explica que dois elementos podem ser identificados no assédio moral: abuso de poder e a manipulação perversa. Prosseguindo, explica a nobre Desembargadora, que sendo assim, a violência decorre do fato de um superior, prevalecendo-se de sua posição na hierarquia da empresa, oprimir seu subordinado.
Por outro lado, igualmente é fruto do comportamento destrutivo, do desvio de caráter de determinado trabalhador que, de alguma forma, diante do interesse em sobressair-se perante seus superiores, de manter o posto de trabalho, buscando alçar um cargo de chefia ou que, por insegurança pessoal, hostiliza colegas de trabalho.3
Uma empresa desorganizada é sempre propícia a gerar estresse. Esse estado de desequilíbrio pode ser fruto de uma inadequada definição dos papéis, de um clima organizacional instável ou da falta de coordenação,revelando que o mundo do trabalho pode ser manipulador.4
Os grupos que trabalham sob pressão, desprezando o aspecto afetivo das relações, o respeito, ou realizam suas atividades de forma desorganizada fazem nascer facilmente conflitos interpessoais.5
O assédio moral é conduta ilícita, haja vista repercussões que traz ao trabalhador vitimado e ao ambiente de trabalho. As consequências psicológicas nefastas que atingem a pessoa podem ser crises de choro, insônia, falta de apetite, tristeza, perda da confiança pessoal, até o uso de drogas e suicídio.6
O assédio moral no trabalho atinge a vítima e prejudica o conjunto de trabalhadores, ao gerar um temor generalizado, um clima de insegurança, trazendo consequências prejudiciais para a atividade produtiva.7
Normalmente o agressor é o empregador, o superior hierárquico ou preposto (“assédio vertical descendente”). No entanto, embora não frequente, também é possível o assédio moral em que o assediador é o colega de trabalho que ocupa a mesma hierarquia na empresa, ou grupo de empregados em posição hierárquica inferior (“assédio vertical ascendente”). 8
São situações exemplificativas de assédio moral no trabalho:9
DEGRADAÇÃO PROPOSITAL DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO
Retirar da vítima a sua autonomia;
Não transmitir informações úteis para a realização de tarefas;
Contestar sistematicamente as decisões da vítima;
Criticar seu trabalho de forma injusta ou demasiada;
Privar a vítima de acessar seus instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador etc.;
Retirar o trabalho que normalmente lhe compete e dar permanentemente novas tarefas;
Atribuir proposital e sistematicamente tarefas inferiores ou superiores às suas competências;
Pressionar a vítima para que esta não exija seus direitos;
Agir de modo a impedir ou dificultar que a vítima obtenha promoção;
Causar danos em seu local de trabalho;
Desconsiderar recomendações médicas;
Induzir a vítima ao erro.
ISOLAMENTO E RECUSA DE COMUNICAÇÃO
Interromper a vítima com frequência;
Não conversar com a vítima, tanto os superiores hierárquicos quanto os colegas;
Comunicar-se unicamente por escrito;
Recusar contato, inclusive visual;
Isolar a vítima do restante do grupo;
Ignorar sua presença, e dirigir-se apenas aos outros;
Proibir que colegas falem com a vítima e vice-versa;
Recusa da direção em falar sobre o que está ocorrendo.
ATENTADO CONTRA A DIGNIDADE
Fazer insinuações desdenhosas;
Fazer gestos de desprezo para a vítima (suspiros, olhares, levantar de ombros, risos, conversinhas etc.);
Desacreditar a vítima diante dos colegas, superiores ou subordinados;
Espalhar rumores a respeito da honra e da boa fama da vítima;
Atribuir problemas de ordem psicológica;
Criticar ou brincar sobre deficiências físicas ou de seu aspecto físico;
Criticar acerca de sua vida particular;
Zombar de suas origens, nacionalidade, crenças religiosas ou convicções políticas;
Atribuir tarefas humilhantes.
VIOLÊNCIA VERBAL, FÍSICA OU SEXUAL
Ameaçar a vítima de violência física;
Agredir fisicamente;
Comunicar aos gritos;
Invadir sua intimidade, por meio da escuta de ligações telefônicas, leitura de correspondências, e-mails, comunicações internas etc.;
Seguir e espionar a vítima;
Danificar o automóvel da vítima;
Assediar ou agredir sexualmente a vítima por meio de gestos ou propostas;
Desconsiderar os problemas de saúde da vítima.
Muitas vezes o assédio moral se manifesta por meio de frases discriminatórias. A seguir listamos alguns exemplos para identificar essa prática: 10
“Você é mesmo difícil… Não consegue aprender as coisas mais simples! Até uma criança faz isso… Só você não consegue!”
“É melhor você desistir! É muito difícil e isso é para quem tem garra! Não é para gente como você!” “Não quer trabalhar… fique em casa! Lugar de doente é em casa!” “A empresa não é lugar para doente. Aqui você só atrapalha!” “Seu filho vai colocar comida em sua casa? Não pode sair! Escolha: ou trabalha ou toma conta do filho!” “Você é mole… frouxo… Se você não tem capacidade para trabalhar… Então porque não fica em casa? Vá para casa lavar roupa!” “Não posso ficar com você! A empresa precisa de quem dá produção, e você só atrapalha!” “É melhor você pedir demissão… Você está doente… Está indo muito ao médico!” “Para que você foi ao médico? Que frescura é essa? Se quiser ir para casa de dia… tem de trabalhar à noite!” “Ah… essa doença está muito boa para você! Trabalhar até às duas e ir para casa. Eu também quero essa doença!” “Não existe lugar aqui para quem não quer trabalhar!” “Se você ficar pedindo saída eu vou ter de transferir você de empresa/de posto de trabalho/de horário…” “Como você pode ter um currículo tão extenso e não conseguir fazer essa coisa tão simples?” “Você me enganou com seu currículo… Não sabe fazer metade do que colocou no papel.” “Vou ter de arranjar alguém que tenha uma memória boa para trabalhar comigo, porque você… esquece tudo!” “A empresa não precisa de incompetentes iguais a você!” “Ela faz confusão com tudo… É muito encrenqueira! É histérica! É mal casada!”.
Seja qual for a maneira que se manifestar o assédio moral, para que atitude no ambiente de trabalho se configure como tal, é necessário que ela seja reiterada, repetitiva. Desta forma, se alguma das situações acima ocorreu de forma isolada, ou seja, sem repetição e prolongação no tempo, não haverá na hipótese, assédio moral.
Uma situação que tem sido reconhecida como assédio moral no trabalho é a limitação ao uso de banheiro. Esse tipo de situação é inadmissível e a Justiça do Trabalho tem condenado empresas que usam deste expediente.[11]
Pois bem, diante de situações como essas, o trabalhador não pode ficar inerte. Deve agir para mudar essa situação. Abaixo, segue algumas orientações de como proceder diante do assédio moral:
Converse, inicialmente, com o agressor para esclarecer como você se sente (se houver possibilidade de diálogo);
Procure solidariedade, ajuda mútua e estratégias coletivas para enfrentar o problema;
Procure suporte emocional com amigos, família, colegas e psicólogos;
Evite conversar a sós com o agressor. Leve um colega ou representante sindical para servir como testemunha;
Relate as agressões na Ouvidoria ou no setor de Recursos Humanos e solicite uma mediação para solucionar o problema;
Busque apoio jurídico com advogado de sua confiança;
Contate os responsáveis pelo Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) ou a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).
É de suma importância que o trabalhador documente toda a situação vivenciada. Para tanto, deve o trabalhador anotar detalhadamente, todas as humilhações sofridas. Especifique: dia, mês, ano, hora, local/ setor, nome do(s) agressor(es), colegas que presenciaram, conteúdo da humilhação e demais informações relevantes; gravar se possível, as conversas em que ocorrem agressões e buscar auxílio com os colegas que testemunharam as ocorrências e faça contato com outras vítimas assediadas pelo mesmo agressor.
Por fim, vale a recomendação que se o trabalhador não quiser mais seu trabalho por conta de estar sendo vítima de assédio moral, não deve pedir demissão e sim procurar um advogado de sua confiança, e propor a chamada ação de rescisão indireta, popularmente conhecida, como a justa causa aplicada pelo empregado em face do empregador.
Neste caso, se a situação for devidamente demonstrada em juízo, o trabalhador receberá todas as verbas como se tivesse sido mandado embora, além de uma indenização por danos morais arbitrada pelo juiz.
Dr. Silas Muniz da Silva
[1]Curso de direito do trabalho / Gustavo Felipe Barbosa Garcia. 4° Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, página 176
2 Direitos Humanos: essência do direito do trabalho, Alessandro da Silva, Jorge Luiz Souto Maior, Kenarick Boujikian Felippe e Marcelo Semer, coordenadores, São Paulo: Ltr, 2007, página 222.
8 Curso de direito do trabalho / Gustavo Felipe Barbosa Garcia. 4° Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, página 177
[11] RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. LIMITAÇÃO AO USO DO BANHEIRO 1. A limitação ao uso do banheiro por determinação do empregador acarreta constrangimento , lesão à dignidade humana e risco grave de comprometimento da própria saúde. Tal situação gera direito à indenização por dano moral . 2. Direito à indenização por dano moral assegurado. 3. Recurso de revista conhecido e provido, no particular.(TST – RR: 1222220115120049, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 12/08/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/08/2015)